top of page

Zona proibida para mulheres: quando sexo e mercado de trabalho se cruzam

  • elasnatela
  • 24 de nov. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 24 de nov. de 2020

Por Nicole Bonentti


Médica, bailarina, cantora, jornalista. Quando nos perguntam o que queremos ser, ainda que meninas, nossas respostas retratam o que aprendemos a querer. Se seus pais te criaram um pouco mais livre de estigmas sociais, talvez você possa responder jogadora de futebol, engenheira, cientista... mas a verdade é que não fomos criadas para nos imaginar como donas de empresas, presidentes ou em qualquer posição diferente das desenhadas para mulheres.


Se enxergar como profissional é também olhar para um espelho interno. Somos capazes de construir o mundo tanto quanto qualquer um. Trabalhar é libertação; e libertação é tudo que uma mulher precisa.


Se mercado de trabalho é um tema difícil de discutir sendo mulher, te convido, nas linhas a seguir, a adicionar, nessa equação, a sexualidade. E se liberdade envolve ambos, existe outra palavra capaz de servir aos dois temas: autoconfiança.


E essa é justamente a palavra que penso quando Aline me vem à mente. A primeira personagem dessa história é também a mais nova das três mulheres que administram o mais antigo sex shop de Sorocaba, inaugurado há 28 anos.


Mas essa história não é só dela e começa com Ivani Parreira, de 75 anos, que é também a fundadora do Sex Shop Paradise, além de mãe de Elaine Branco Sandri, de 56 anos, e avó de Aline Branco Sandri, de 30. Juntas, as três, e outros familiares, compõem a equipe da loja, aberta em 1992.


Ivani, Elaine e Aline trabalham juntas no sex shop mais antigo de Sorocaba. Crédito: Nicole Bonentti


Nossa conversa começa com Elaine me contando como a loja nasceu - de uma ideia do ex-marido de Ivani - e como as coisas foram difíceis quando o sex shop abriu as portas. “Minha mãe veio do sítio, casou, veio para cá, separou do meu pai e ficou com esse moço, que foi quem deu a ideia do sex shop, mas quando ele sugeriu, ela disse ‘Tá doido? Vou vender pinto? Eu não vou vender pinto’”, conta rindo.


Elaine diz que a divulgação da loja foi ampla e que Ivani e o marido da época utilizaram, inclusive, de um carro de som com um pênis gigante em cima para chamar a atenção.


Nesse ponto da conversa, Ivani se junta a nós e continua me contando que nenhum dos jornais da cidade quis divulgar o negócio e que a solução foi anunciar em jornais de São Paulo. “Minha loja foi um alvoroço em Sorocaba. Foi bom porque ficou conhecida”, conta, divertindo-se.


Tanto Ivani, quanto Elaine, afirmam que sempre encararam o que faziam como um trabalho como qualquer outro e que isso foi parte também da criação das filhas e netas. “Uma vez um rapazinho me disse ‘Você não tem vergonha de trabalhar em um sex shop?’ e eu falei ‘Eu não. Estou trabalhando, como qualquer outra pessoa’”, relembra Ivani.


Elaine criou as filhas enquanto trabalhava na loja e disse que também sempre tratou a questão com naturalidade. “Eu não dizia a elas que era normal usar as coisas que vendíamos, mas que esse é um trabalho como qualquer outro”, diz.


Ivani, a fundadora e proprietária do sex shop, conta que nenhum jornal de Sorocaba quis publicar anúncio sobre o negócio. Crédito: Nicole Bonentti


Com 18 anos, uma das filhas de Elaine começa a trabalhar no sex shop. E é quando Aline entra em cena que assume a função de entrevistada oficial. Desde o momento em que cheguei à loja, avó e mãe me disseram que ela era quem falava melhor ali e quando contei a ela isso, sua resposta foi: “Ah, é verdade”.


Visivelmente confiante, Aline falou comigo sobre sexo como se conversasse sobre o clima e essa naturalidade é uma das conquistas que ela atribui a seu trabalho. “O que foi bom é que se isso, que é algo que bloqueia tanto as pessoas, eu consigo falar de forma natural, isso me gerou mais espontaneidade. Falar sobre sexo muda muito a mente, nada mais é um problema e você evolui”, conta.


A neta de Ivani também diz que costumava ser uma pessoa tímida e que os primeiros dias atendendo no negócio da família foram difíceis, mas que quando percebeu o quanto as pessoas que chegavam até ali se intimidavam com algo tão simples, começou a se empoderar. Daquele ponto em diante, assumiu também a função de ensinar e ajudar aqueles que buscam o prazer.


“A maioria das pessoas que nós atendemos vêm procurar coisas para melhorar a relação com seus parceiros ou parceiros, e não buscar algo para utilizar com amantes, como pensam. Aqui o pessoal vem totalmente para tentar salvar a relação e ao mesmo tempo vira uma terapia”, diz Aline.


Já sobre ter sido uma criança criada em meio a brinquedos sexuais, Aline diz que não se recorda nem minimamente de um estranhamento sobre. “A criança ela não tem a malícia, digo por mim que cresci aqui. Na verdade, eu não entendia, de fato, o que era e como. Você não tem conhecimento preciso disso, mas me lembro que tinham reuniões entre amigos e um dia um tio meu estava comentando sobre baralhos eróticos e zoando, e eles todos davam risada, e para mim aquilo era neutro”, conta.


Elaine começou a trabalhar com a mãe (Ivani) quando ficou desempregada e criou suas filhas sem que sexualidade fosse considerado um tabu. Crédito: Nicole Bonentti


Uma das perguntas que mais queria fazer e repeti às três foi sobre assédio. Afinal, segundo um levantamento feito este ano pelo Linkedin (rede social de conexões profissionais) quase metade das mulheres já sofreu algum tipo de assédio no trabalho.

Minha linha de raciocínio era a de que, se em outros empregos o assédio sexual era comum, trabalhar em um sex shop, sendo uma mulher, tornaria as três entrevistadas ainda mais vulneráveis. Mas, para minha surpresa, a resposta foi justamente a oposta. Não havia assédio, muito pelo contrário. Ivani me contou que desde antigamente estar em uma loja como a dela gerava o sentimento de pudor. Havia medo de ser pego por outro ali dentro; e as coisas haviam mudado muito pouco desde então.


Segundo Aline, poderia até haver a intenção por parte de alguns homens, mas ao chegarem ali, eles se sentiam desencorajados pela forma como as mulheres se posicionavam naturalmente.


“Pior que é até engraçado. Acredito que seja mais fácil ocorrer um caso de assédio em uma loja comum do que aqui, porque o povo se sente muito intimidado ao ver que você entende e é totalmente naturalista”, explica.


Finalizamos nossa conversa com Aline me contando alguns dos casos que já ajudou. De mulheres que não gozavam com seus maridos, até as que nem sabiam que conseguiriam chegar até lá, para ela trabalhar no sex shop também era ensinar com a mesma leveza que aprendeu o tema.

コメント


Contate-nos

Obrigada pelo envio!

Nos siga nas redes sociais!

Instagram_Rodapé
Spotify_Rodapé
bottom of page