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Visto, logo existo

  • elasnatela
  • 21 de nov. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 23 de nov. de 2020

Por Nicole Bonentti


Ao questionar a existência humana e estabelecer a consciência como base, o filósofo e matemático René Descartes afirmou: "penso, logo existo", em 1637. Dessa forma, ser um ser pensante o assegurava a realidade e a razão humana era a prova dela.


Para muitas mulheres ir às compras é sinônimo de diversão e pode ser uma forma de fortalecer a autoestima. Enquanto isso, para mulheres fora dos padrões - e dos cabides -, a procura por uma peça pode levar à sensação de não-pertencimento na sociedade. Se por um lado, o consumo é incentivado a todo instante e é alvo de críticas, por outro, algumas pessoas enfrentam uma barreira anterior a ele: se encaixar nos moldes desse consumo.


Beatriz Proença, de 22 anos, é uma amante de moda, mas mesmo assim a experiência de compra para ela quase nunca é agradável. Acima do peso das modelos das passarelas e com um corpo muito diferente dos aceitos, Beatriz lidou muito tempo com problemas psicológicos e, mesmo depois de muita experiência com a situação, estar em um provador ainda pode ser um gatilho. “Ir às compras para mim é dor de cabeça. Não posso ir quando estou com muitos problemas ou com a autoestima muito baixa porque provavelmente vou chorar em uma cabine de shopping”, conta.


“É muito difícil pois se preciso urgente de algo para algum evento, preciso ir mesmo que não esteja bem. Já chorei muito, cheguei em casa e me senti um lixo, como se nunca fosse ter nada bonito para vestir e não merecesse estar nos padrões”, desabafa a jovem.


Beatriz é uma amante de moda, mas não se sente parte desse universo. Crédito: acervo pessoal


Além da posição de mulher gorda, Beatriz também fala de um lugar de uma realidade financeira não tão confortável, em que se pagar muito por uma peça de roupa é luxo. Enquanto adolescente, o sonho era uma calça rasgada, que demorou anos para se tornar realidade.


“Uma calça jeans do meu tamanho sempre vai custar mais de R$ 100 e eu entendo minha mãe por nunca ter me deixado rasgar uma, mas eu, durante minha adolescência toda, via fotos e inspirações, e desejava muito a peça, mas nunca encontrei. Em 2017, com 19 anos, eu finalmente comprei uma e fiquei muito, muito feliz. Queria usar com tudo, me sentia muito bem”, relembra.


Beatriz conta que adora ler, pesquisar e falar sobre moda, e que sempre dá dicas para amigas que possuem um corpo considerado “padrão”, mas que a ela falta acessibilidade para fazer parte do universo pelo qual é apaixonada.

“O mercado plus size ainda tem muita dificuldade de entender que existem pessoas mais novas que precisam de roupas maiores. Você acaba encontrando vestidos ‘senhora’, que você vê mães e avós usando. Fora que as roupas são sempre iguais: muito formais ou estampadas, como se quisessem disfarçar... como se adiantasse alguma coisa”, ironiza Proença.


De acordo com a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), de 2018, 55,7% da população adulta do Brasil apresenta excesso de peso e 19,8% está obesa. Um dado de 2015 do IBGE também apontou que o porcentual de mulheres com mais de 18 anos acima do peso é maior que o dos homens.


Mesmo com os números apontando que mulheres gordas são parcela significativa da sociedade, nas lojas a existência delas ainda parece ser vista com certa resistência.


Amanda Wersehgi tem 25 anos e há um trabalha como modelo plus size. Para ela, o mercado da moda passou a entender a necessidade de números maiores nos últimos dez anos, mas as opções continuam limitadas. “Eu encontro roupas que me definem, mas há uma barreira. Não é qualquer loja que trabalha com tamanhos maiores, ainda que a aderência das lojas populares à moda plus esteja muito maior que há cinco ou dez anos atrás. O que costuma ocorrer é que se você quer uma roupa plus que não seja vendida em loja de departamento, você vai pagar um preço a mais com isso”, explica.


Mesmo trabalhando em um nicho 'fora dos padrões', Amanda já perdeu trabalhos por não ter o corpo 'dos padrões' plus size. Crédito: acervo pessoal


Segundo a modelo, cidades do interior também costumam ter uma oferta diferente da presente em grandes capitais, como São Paulo, onde o mercado plus já se desenvolveu um pouco mais, mas mesmo em lugares assim a moda ainda é focada no corpo magro. “Há muitas marcas atualmente trabalhando com o plus size. A indústria da moda está vendo que há a necessidade de trabalhar nesse ramo, porém, nós sabemos que toda e qualquer mudança é feita a passos de tartaruga”.


Já quando o assunto é demanda por trabalho, Amanda conta que embora, seguindo o aumento das lojas, a procura por mulheres plus tenha aumentado, também existe um “padrão” que dificulta que alguns contratos sejam fechados. “O público que quer uma plus, ainda quer uma plus nos padrões. Ele quer uma modelo com a barriga chapada, que a barriga não dobre, que tenha x medida de seios, quadril e cintura”, conta Wersehgi, que chegou a perder trabalhos por não se encaixar.


A construção da autoestima


A psicóloga Cristina Maria D’Antona Bachert explica que a dificuldade de acesso à moda como forma de se expressar e a exclusão da possibilidade de viver determinadas experiências podem impactar na maneira como aquelas mulheres se veem e no quão capazes, e merecedoras, se consideram. “A moda é uma forma de expressão cultural e social, e dissemina valores e um modo de vida. No caso das mulheres que estão fora dos padrões por conta do sobrepeso ou obesidade, a condição de ‘não se encontrar’ nos manequins e modelos pode levar a mulher a se sentir excluída, impactando de forma negativa na sua autoestima e na sua vaidade”, afirma.


“Isso pode influenciar sua forma de relacionar-se com o mundo, interferindo na sua maneira de perceber como a sua aparência física influencia os outros em relação a elogios, conquistas amorosas, habilidades e competências técnicas, e, por sua vez, que podem levar ao reconhecimento social e sucesso profissional”, explica a psicóloga.


Cristina também afirma que a autoestima é definida como a capacidade cognitiva de uma pessoa para descrever seus traços físicos e de personalidade e, a partir deles, avaliar-se, e que é o julgamento que fazemos sobre o que sabemos e sentimos a respeito de nós mesmos, por isso afeta todas as áreas da vida, pois implica um sentimento de valor.


“Esses aspectos são disseminados por ações e comentários das pessoas que constituem nosso grupo mais próximo, as pessoas que são modelo e referência para nós, e também por meio das diferentes mídias, que destacam e enaltecem determinadas características que são desejáveis, incluindo aquelas relacionadas à aparência física”, diz. “Tudo isso são fatores que afetam a maneira como uma pessoa acredita que a sociedade a avalia tendo como base o quanto o seu próprio corpo atende aos padrões disseminados como ‘desejável’ e ‘belo’, fatores que podem abalar sua autoestima, caso não corresponda às imagens veiculadas”, teoriza a profissional.

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