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A heroína por tráns das telas

  • elasnatela
  • 23 de nov. de 2020
  • 6 min de leitura

Atualizado: 23 de nov. de 2020

Por Vivian Piloto


A possibilidade de mergulhar em mundos completamente diferentes. Num dia você pode estar desvendando mistérios enquanto escala prédios que compõe a arquitetura da Itália renascentista e manuseando objetos projetados por Leonardo da Vinci em pessoa, já no outro você é uma arqueóloga britânica que viaja o mundo todo a fim de aprender sobre diversas civilizações antigas. Essas são apenas algumas das infinitas possibilidades que os jogos digitais podem oferecer.

Esse meio de entretenimento faz parte da realidade de muita gente e tem nos acompanhado por gerações, porém, recentemente, a discussão sobre esse assunto recebeu outros recortes graças aos avanços da nossa sociedade. Por muito tempo, os jogos eram vistos apenas como uma maneira de distração, mas hoje em dia existem pessoas que trabalham com isso, os chamados streamers são jogadores que utilizam plataformas de transmissão ao vivo para levar diversão ao seu público.


Dentro desse segmento está Luna Biffi, uma mulher trans de 36 anos que, mesmo começando a streamar apenas em 2013, tem uma longa relação com os jogos “Quando eu era criança eu era viciada em um jogo de fliperama chamado The King of Fighters, eu faltava da aula pra poder jogar. As crianças de hoje em dia não vão mais saber o que é isso, ir até um fliperama, uma Lan House, um corujão”.


Luna Biffi, gamer de 36 anos. Crédito: acervo pessoal


Sua relação mais profissional com esse universo se deu a partir de 2018, quando fez dessa atividade principal fonte de renda e que prospera até hoje. “De 2013 a 2018 eu não levava tão a sério pois até em então ninguém ganhava dinheiro com isso aqui no Brasil, as pessoas faziam pois gostavam”. Mas com a alta adesão do seu público, por conta do seu jeito descontraído e engraçado, essa realidade mudou e fez com que a gamer passasse no mínimo oito horas por dia se dedicando ao seu novo trabalho.


Quando começou, seu destaque se deu dentro de uma das modalidades online disponíveis no jogo GTA 5, o Role-Playing (RP), onde os jogadores interpretam papeis de personagens comuns na cidade de Los Santos (local onde o jogo é ambientado), invés de controlar os protagonistas do jogo offline. Pensa só, você entra numa cidade virtual onde tem a possibilidade de ser quem bem entender, de mecânico, passando por policial e indo até as margens da criminalidade, mas sem deixar de seguir as regras e leis de cada cidade.


Mesmo tendo se afastado um pouco dos universos do RP, foi nele que surgiram as personagens como a investiguera da polícia, Raquel Hidrogel e, mais tarde, a psicóloga não tão convencional, Laira “Toda personagem tem um pouco da gente né. O pouco que tinha de mim na Raquel era que ela era boa com todo mundo, e na Laira era o jeito estabanado dela, mas também tinha isso de bondade. Acho que minha marca registrada é querer ajudar todo mundo, e acho que todos meus personagens vão ter isso”. Ficou curiosx para saber mais sobre essas personagens? Calma que tem tudo no canal da Luna.


Sabemos que com o passar do tempo, diversas pessoas começaram também a fazer do sistema de streaming de jogos o seu trabalho profissional, e a tendência é que esse número suba cada vez mais. Com isso, há a necessidade de fidelizar seu público “Acho que bordões que eu uso e criei, o jeito de agir é algo que fideliza o público, meu jeito de ser divertida é meu diferencial”.



Porém, além de firmar sua identidade, é necessário reinventar também o conteúdo, apresentando para o público jogos diversos a fim de manter o engajamento “Eu sempre tento jogar algo diferente e para escolher eu costumo perguntar para os meus inscritos, seja na live, através do grupo de whatsapp que tenho com eles ou no insta”.


Mais sobre a Luna e o universo do streaming


A relação de Luna com sua identidade e compreendimento da sua realidade foi um processo longo “Eu demorei 27 anos pra entender o que estava acontecendo” e parte disso se dá graças, além do processo de autoconhecimento, ao apagamento severo que esse assunto sofria em nossa sociedade “Eu sabia que não era menino, sabia que meu nome não era Luís, mas não tinha acesso às informações e discussões que existem hoje em dia na nossa sociedade, a única referência que eu tinha na época era a Roberta Close”.


Mesmo sendo um assunto que ainda é alvo de muito preconceito e invisibilidade, nos dias atuais há mais possibilidade de acesso às informações que permeiam a realidade das pessoas trans, e a passos pequenos, cada vez mais a sociedade, de maneira geral, está compreendendo melhor o assunto, o que ajuda na quebra de estereótipos e faz com algo que é parte da realidade de muitas pessoas, seja discutido com mais frequência.


A representação é sim algo muito importante pois, além de levantar o debate, faz com que as pessoas se enxerguem como pertencentes à nossa sociedade e dentro dos produtos que estão consumindo. Porém, para que essa seja feita de maneira responsável e contribua para uma mudança social, não basta que essas pessoas estejam só nas telas, elas devem estar também presentes no processo de desenvolvimento dessas criações.



Mas o processo vai além disso “Eu esperei meu tempo e tive a certeza que eu sou mesma, mas há caso de pessoas que destransicionam porque não tiveram um acompanhamento psicológico”. Assim é necessário que essas discussões se desdobrem em políticas públicas, visando a saúde e segurança dessa parcela da população.


Apesar da aceitação e apoio dentro de casa, no universo dos games a resposta foi diferente, o que fez com que Luna recebesse diversos ataques em seu local de trabalho “no começo, se entrava alguém na minha live e me chamava de algo como traveco, eu ficava muito brava. Hoje em dia eu não ligo, sou muito bem resolvida quanto a isso e sei o que eu sou, e não é o que os outros falam que vai ditar isso”.



Apesar de parecer algo pequeno, muitas vezes a atitude dos consumidores de jogos reflete diretamente no posicionamento das empresas “O problema é que quando você coloca um LGBTQIA+ em frente a essas marcas as pessoas caem matando, principalmente o público gamer que ainda é bem machista e preconceituoso, e a empresa muitas vezes acaba virando alvo de boicote”.


Para além disso, a realidade dos patrocínios, algo muito importante para quem produz esse tipo de conteúdo, ainda é algo muito raro e segmentado “as empresas grandes de periféricos só patrocinam pessoas do meio LGBTQIA+ que são muito famosas, e esquecem dos streamers pequenos. Pra eu conseguir comprar um teclado bom, vai fazer falta no final do mês sabe, é muito difícil isso, e por ser trans é muito mais difícil ainda”.



Uma rede de amparo


Além de entretenimento, os jogos digitais se comportam como uma válvula de escape tanto para problemas pessoais quanto sociais e, muitas vezes, quem gera esse tipo de conteúdo acaba assumindo um papel muito importante na vida de seu público. “Eu recebo diversos relatos, mesmo quando fiquei afastada por um tempo, das pessoas falando que meu conteúdo de certa forma as salvou, que a pessoa estava mal e foram rever meus vídeos no Youtube, ou acompanhar alguma live minha e isso ajudou”.


Mesmo que essa atitude não seja um modo de solucionar os problemas, o simples fato de poder ocupar a mente com algo mais leve faz toda diferença no dia a dia das pessoas “Por conta desse período que a gente está passando, não só da pandemia mas da humanidade em geral, onde as pessoas estão muito ansiosas, essa interação que eu tenho com o público se torna um momento de distração em que as pessoas esquecem os problemas. Eu tento passar diversão alegria, e acho que isso ajuda muito “.


Essa distração pode vir daquele jogo que você é fã e esperou ansiosamente pelo lançamento da segunda edição, do vídeo novo que o streamer que você acompanha postou nas redes socias, mas pode vir também de maneira não planejada, como foi para Luna, que criou uma relação muito forte com a personagem Capitã Marvel, após assistir ao filme no cinema “Quando acabou o meu contrato com uma plataforma de stream eu estava muito sem chão, com medo, ansiosa, estava passando também por algumas situações pessoais. Aí eu estava no shopping e resolvi assistir ao filme, eu nem conhecia, nunca fui fã de HQ nem nada, e pra mim foi o que eu estava precisando no momento sabe?”.


Luna Biffi vestida de Capitã Marvel. Crédito: acervo pessoal


O filme foi tão marcante que a gamer chegou a tatuar o símbolo da personagem em seu braço para eternizar a ensinamento que tirou do filme. “O filme passa uma mensagem de que a gente tem que se encontrar, descobrir quem a gente é e toda vez que a cairmos, temos que levantar e continuar. As dificuldades vão existir, eu vou tropeçar e cair, mas vou levantar e seguir em frente sempre.”


Tatuagem em homenagem à personagem Capitã Marvel. Crédito: acervo pessoal


Então, independentemente de como, o universo dos games apresenta um peso muito grande na vida de quem o consome. Seja por hobby ou de maneira profissional, muitas vezes esta atividade se torna uma lição de vida ou até mesmo um meio de reunir a família no sofá de casa num domingo à tarde, e deve ser por isso que os jogos estão com a gente por tanto tempo, sem previsão de game over.

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