A autoestima em um fio
- elasnatela
- 17 de nov. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 23 de nov. de 2020
Por trás de toda cacheada, há sempre uma história
Por Isabela Dantas
Entre cortes, luzes e hidratações, o Espaço Black and White, em Sorocaba, recebe diariamente diversas clientes, cada uma com a sua história, porém todas unidas por uma característica em comum: os cachinhos dos cabelos.
Alguns mais enrolados, outros menos, alguns castanhos e outros até tingidos, independente do que está marcado na agenda do salão, o que elas realmente procuram é por identidade e liberdade, para se olhar no espelho e se reconhecer, e além de tudo, saber que existe um lugar que entende e acolhe estes cabelos que um dia já foram ignorados.

Juliana considera seus cachos, sua identidade. Crédito: Isabela Dantas
É o que a Juliana Martins, 26 anos, jornalista, tem a dizer. “Meu cabelo faz parte da minha identidade, antes era só um cabelo, mas hoje em dia tem toda a questão do cuidado, de quem eu sou”.
Além de uma decisão
A transição capilar é um ato de amor próprio e autoestima. Entre se olhar no espelho e não se ver, e depender do que os outros tem a dizer sobre si mesma, Juliana decidiu aceitar os caracóis de seu cabelo e dizer adeus à famosa “escova progressiva”.
“Eu fiz progressiva por cinco anos, e em 2018, decidi que não queria mais fazer química no cabelo. Depois de um ano, eu cortei toda a parte lisa, e amei o meu novo visual desde o começo”.
Para chegar até o processo de autoaceitação, as cacheadas passam por um desafio ainda maior, a falta de representatividade. Nos produtos para cabelos, o seu não é nem citado, as referências são sempre os cabelos lisos, quanto mais liso, mais bonito, inclusive para as modelos e artistas. Onde estavam as mulheres de cabelos crespos? Onde encontrar alguém que te ensine a lidar com seu próprio cabelo?

Há dois anos, Juliana não utiliza mais produtos químicos no cabelo. Crédito: Isabela Dantas
“Durante a transição eu procurava referências, pessoas que tinham cabelos parecidos com o meu, além de produtos que funcionam. Hoje em dia tem muita coisa para cabelo crespo, na época que eu usava meu cabelo natural, não tinha, então a ausência destes produtos me levou a procurar o alisamento”, conta Juliana.
Se os produtos eram escassos, os salões nem sequer existiam. Atualmente a realidade está mudando, e a importância de um salão especializado na estética afro vai além de um simples corte. Para Juliana, procurar um salão foi um momento de desespero, afinal, o tipo de corte e os cuidados são diferentes, e frequentar salões para cabelos afro, é estar nas mãos de pessoas que realmente entendem o seu tipo de cabelo.

Encontrar um salão que a acolhe é sinônimo de representatividade para Juliana. Crédito: Isabela Dantas
Hoje, Juliana encontrou um salão que a represente, o qual tem cumprido um importante papel em sua vida.
“Pra mim, cuidar do cabelo é um carinho que você faz por si mesma, é se valorizar”, conclui.
Além das pontinhas
Apesar da pouca idade, Katia Martins tem personalidade de sobra pra mostrar que a curva mais bonita de uma mulher é o seu cacho. Com 20 anos, a recepcionista não tem medo da tesoura e adora um novo visual.
“Pra mim, meu cabelo é como se fosse meu marketing pessoal. É como as pessoas me vêm, então eu quero que elas me vejam como eu também me vejo”.

Katia chegou no salão decidida a mudar de visual. Crédito: Isabela Dantas
Aberta a mudanças, Katia desapegou de seus longos e cacheados cabelos, e decidiu cortá-los curtinhos, aproveitando a proximidade do verão como uma boa desculpa pra deixar, inclusive, a nuca aparente.
Mesmo cheia de amor por seus cachos, Katia conta que nunca alisou seu cabelo, mas se rendeu à chapinha por alguns anos e percebeu que estava sendo refém de algo que não lhe agradava, a opinião dos outros.
“Eu decidi parar porque estava cansada de ser uma coisa que não era. Eu só fazia isso porque os outros falavam pra eu fazer, e se for pra depender da opinião dos outros, já não é mais minha vida, né?”.

De novo visual, Katia sente sua autoestima renovada. Crédito: Isabela Dantas
Além disso, a jovem também ressalta a importância de encontrar um salão que entenda sobre seu tipo de cabelo e os cuidados necessários, já que ela frequentava um salão especializado em cabelos lisos e após uma decepção, sentiu a necessidade de procurar alguém que é especialista em cabelos cacheados.
“É aconchegante saber que tem gente com você nessa, porque é muito difícil de encontrar salões com esta especialidade”.
E é com esta consideração que Katia sai com um sorriso no rosto e um novo corte daquele salão que pra ela é o responsável por tornar sua autoestima mil vezes melhor.
Além da autoestima: a afroestima
Tudo começou com um simples sentimento de empatia e reciprocidade, e hoje, Jéssica Bianca, está há 14 anos no mercado, cuidando e ensinando a cada cliente que passa pelo seu salão, um pouco mais sobre o autocuidado e a mais nova palavra da vez, a afroestima.
“A afroestima é muito importante e tem que vir de pequenininha, então quando uma criança vem aqui, a agente procura elogiar ao máximo, para que essa menina seja uma mulher negra empoderada”.

Pela falta de representatividade, Jéssica resolveu criar o próprio salão. Crédito: Isabela Dantas
Movida pela vontade de compartilhar e ajudar as mulheres de cabelos afro a se aceitarem e cuidarem de seus cachos, Jéssica conta que a dificuldade que sofreu em sua infância para achar cabeleireiros que a entendessem, lhe fez abrir o seu próprio salão.
De cabelos enrolados e uma simpatia de sobra, hoje a própria Jéssica, que um dia tentou se encaixar em um padrão social que nunca lhe coube, compartilha sua história com as clientes e através de seu trabalho, também ensina muito sobre autoaceitação.
Engana-se quem acha que se amar é fácil, e quando se trata da mulher negra, as dificuldades podem ser ainda maiores, afirma a cabeleireira quando questionada sobre a responsabilidade de seu trabalho em relação à autoestima.

A cabeleireira se sente completa quando vê as clientes aceitando os cachos. Crédito: Isabela Dantas
“Na realidade, o cabelo já é a autoestima da mulher, e quando se trata da mulher negra, o cabelo cria um estigma um pouco maior. O meu trabalho é justamente essa valorização, estimulando a questão da personalidade por meio do cabelo, trazendo a essência do natural”.
Falando em autoaceitação, a nova onda dos cabelos naturais, além de estar trazendo reconhecimento para o salão de Jéssica, também a faz refletir sobre a geração atual, concluindo que a aceitação é algo mais trabalhado com as pessoas nascidas a partir do ano 2000, já a geração mais velha precisa passar pelo processo da transição para se reconhecer.

A afroestima está presente diariamente no trabalho de Jéssica. Crédito: Isabela Dantas
“Eu falo que o trabalho da transição é um processo que vai acontecendo aos poucos e quando chega no final, a pessoa já está toda transformada por dentro”.
Mesmo com os desafios do dia a dia, Jéssica define seu trabalho em apenas uma palavra, “amor”, pois a cada cliente que entra no salão, a cabeleireira acaba se colocando no lugar e se emocionando com a situação.
“Quando eu encontro uma cliente na rua, com os cabelos lindos e esvoaçantes, sinto uma gratidão enorme em ver a cliente se amando, um sentimento tão grande que transborda em mim”.
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